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M. Eugénia Prata Pinheiro

segunda-feira, outubro 20, 2008

Deolinda Peralta dixit

Sto Ant. dos Cavaleiros, 20 de Outubro de 2008

À minha escola

Aos meus colegas

Há meio século, precisamente, entrei para a escola. Era Outubro e eu tinha 6 anos. Num acto solene explicaram-me que brinquedos e bonecas passariam para as mãos da irmã mais nova porque eu entrava no mundo dos grandes, dos que tinham deveres a cumprir, e que a escola era a coisa melhor que eu podia ganhar. Se não me lembro de ter sofrido com isso, é porque, provavelmente, ganhei mais do que perdi. Educada num ambiente familiar austero, fechado socialmente, a escola abria-me, não digo as portas, mas as janelas do mundo.

A situação profissional do meu pai obrigava-nos a transferências frequentes de residência e, entre várias cidades de Angola e a Metrópole – era assim que se dizia – mudava de escola e de professora em qualquer altura do ano, quase de um dia para outro. Então sim, nos dias que antecediam a viagem, sofria profundamente. As lágrimas e os soluços eram guardados para o silêncio da noite, que ninguém ouvisse. E escondia os segredos das recordações que as amiguinhas, só meninas - era assim a escola - me davam na despedida: uma borracha, um lápis, meia dúzia de cromos, um livrinho de histórias usado. Tesouros que me acompanhariam pelos anos fora, nomes que ainda sei de cor e pessoas que não voltei a ver.

Das escolas, das professoras e das amigas muitas que tive na minha infância guardo as boas recordações. São histórias, são imagens. Outras imagens, que eu não guardo, espreitam-me. São fantasmas. Os fantasmas têm o condão de não morrer… Não sei se é bom que existam fantasmas mas, já que existem e que nos incomodam, falemos deles.

Essas muitas escolas por onde passei até à 4ª classe, pareciam todas iguais: todas tinham um crucifixo, um Salazar emoldurado e três filas de carteiras que correspondiam ao nível de desempenho dos alunos de acordo com os critérios do professor. Numa delas essas filas tinham mesmo a designação de céu, purgatório e inferno. Era a terminologia da época. Não duvido da bondade das intenções das professoras que tive e que estimo, mas ninguém refuta hoje que essas práticas pedagógicas são tão erradas quanto o eram já naquele tempo.

Outra prática “pedagógica” cuja bondade era, à época, indiscutível foi o uso da régua ou da palmatória. Ainda não se tinham inventado as grelhas nem os indicadores de medida mas qualquer menino em idade escolar sabia que, a cada erro ortográfico correspondia uma reguada. Dói-me ainda hoje falar destas coisas. Mas vou continuar. Se as escolas pareciam todas iguais, como disse, não eram mesmo iguais. Umas tinham muitos meninos no céu, noutras era a fila do inferno que era enorme. Nestas últimas, imagine-se o “trabalho” da professora depois de corrigir os ditados! Coitadinha… Tinham de ser encontradas estratégias eficazes e exequíveis. E encontraram-se. Nessas situações em que o rendimento escolar era mais fraco tornou-se necessária a colaboração dos bons alunos. E, na hora da correcção dos erros, a régua mudava da mão firme da professora para as mãozinhas trémulas de um aluno da primeira fila. Ninguém lhe perguntava se ele aceitava esse papel, se tinha perfil para verdugo, ou o que ele pensava dessa medida. Se é verdade que “de pequenino se torce o pepino” não é menos verdade que só “o vilão gosta da vara na mão”. Era um castigo muito doloroso para quem tinha cometido o crime de desrespeitar a ortografia da Língua Portuguesa, mas também demasiado pesado para quem executava a pena sem ter cometido crime algum. Falta aqui precisar que o detentor da régua, se não fosse célere a aprender a sua manipulação, depressa se arrependeria. Não eram perdoadas fraquezas.

Não vou alongar-me nestas recordações incómodas. Passo à alegoria onde já adivinharam que vamos chegar.

Quero crer que não há verdugos por vocação. Há-os de ocasião.

O ECD dividiu ALEATORIAMENTE os professores. Quem ficou dum lado podia perfeitamente ter ficado do outro. Bastava que estivesse noutra escola nesse dia. Se não é assim em absoluto, é quase assim e aplica-se à maioria dos casos. Uns ficaram titulares, outros professores. Como se não bastasse, continuou a separar. Uns ficaram avaliadores, outros avaliados.

Uns ficaram com a régua na mão e outros com a mão estendida. Os primeiros, para se sentirem menos desconfortáveis – somos professores, estamos na mesma escola há vários anos e criámos, em muitos casos, laços afectivos que se tornaram parte da nossa segurança – desdobram-se em esforços para colocar umas gotas de mel em cima do fel. Fel é fel. Não há volta a dar.

É possível a alquimia de transformar um pau de marmeleiro em fita de seda perfumada. O que não se pode mudar é o gesto. Esse é que dói. O gesto é que mata. Todos sabemos que isto não é uma avaliação. É uma punição por um crime que não cometemos. Não somos nós que estamos a matar a escola!!!

É tempo de acabar com a farsa a que chamaram avaliação. Somos gente e temos voz ainda.

BASTA DE HUMILHAÇÃO!!!

D. P.

50 anos de escola

34 anos de professora

2 Comments:

Blogger paula montez said...

Apelamos à vossa divulgação da reunião do próximo dia 28 de Outubro (3ª f), às 18 horas. E também à eventual participação, uma vez que se trata de uma reunião aberta

http://escolapublica2.blogspot.com/2008/10/reunio-28outubro-mudana-do-local-da.html

3:19 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Tudo isto que se está a passar na escola pública é uma vergonha!

Setora:

obrigada setora..por ter ido ao nosso cantinho em

http://bibliotecaportaberta.blogspot.com/

e obrigado também por divulgar. Ao menos valha-nos esta partilha.
Apareça mais vezes! A porta estará sempre aberta. Vamos tentando actualizar diariamente.
Parabéns pelo seu espaço...

8:02 da tarde  

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