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M. Eugénia Prata Pinheiro

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Santana Castilho no jornal Público

Amanhã terá lugar uma derradeira ronda de reuniões para que Ministério da Educação
e sindicatos cheguem a acordo sobre as alterações ao estatuto da carreira docente e à avaliação do desempenho, que dele emana.

Será mais uma tentativa falhada, num processo condenado desde o início. Assim previ e afirmei, em sucessivos artigos deste jornal, porque conheço os actores e o sistema. Retomo uma pergunta que então formulei: que sentido faria conceder qualquer benefício de dúvida
a uma ministra que acabara de afirmar publicamente dar o seu inteiro apoio às políticas educativas seguidas por Sócrates e que as mesmas seriam para prosseguir e aprofundar? Recordo o que então afirmei sobre Isabel Alçada: que não tinha identidade política;
que melosa e sorridente, fora recrutada para desempenhar o papel de mero “factotum” de
políticas alheias.

Calados os arautos do optimismo e do pragmatismo, que mostra a realidade? Que o que
se propõe aos professores agora é pior do que tinham: em vez de um estrangulamento,
oferecem-lhes três; estreitaram ainda mais a fresta por onde se pode chegar ao topo da
carreira; e branquearam o cortejo de barbaridades que caracteriza o chamado primeiro
ciclo de avaliação.

O fim da avaliação do desempenho numa organização cooperativa, como deve ser qualquer
escola, é a melhoria do desempenho. Neste recente processo, o secretário de Estado
Alexandre Ventura confessou publicamente que eram económicas as questões condicionantes
e impostas pelo Ministério das Finanças. Apenas poderão ter ficado surpreendidos
os distraídos, já que Sócrates procurou, desde o primeiro momento, construir uma escola de pouco custo e a “tempo inteiro”, que funcione como uma empresa, sujeita a fortes relações hierárquicas (daí os professores titulares e os directores), com professores proletarizados sujeitos a mecanismos burocráticos de controlo, sem autonomia intelectual e pedagógica, com
horários dilatados e salários reduzidos (para tal contribui a abundância de oferta face ao fecho de escolas, a reclassificação de jovens com necessidades educativas especiais, a entrada no mercado das tradicionais empresas intermediárias – novas oportunidades, inglês e outras actividades não curriculares – e a desregulação dos concursos nacionais de colocação). Esta política, errada, reconhece-se noutras áreas cruciais da governação e tem gerado desemprego, penúria económica, desmembramento da coesão social da nação, aumento das desigualdades entre pobres e ricos (patente, entre outros indicadores incontornáveis, na escandalosa
diminuição da parcela do produto interno bruto que remunera o trabalho, enquanto não deixa de crescer a que remunera o capital) e corrupção galopante.

O presidente da República fez, a propósito da tradicional mensagem de fim de ano, um diagnóstico que facilmente será acompanhado pelos portugueses esclarecidos. Mas a medida que propõe, asséptica como é costume, poderá ser desastrosa, se vier a ser entendida pela oposição como necessidade de cedência à teimosia de Sócrates, incapaz de governar em minoria. Se as políticas deram maus resultados e estão erradas, é preciso mudá-las. Essa foi a missão que os eleitores outorgaram à Assembleia da República nas últimas eleições. É por
isso que a Assembleia da República terá que retomar em mãos a questão da avaliação dos professores, da qual não deveria ter abdicado, como é agora patente.

Chamemos-lhe Isabel. Tem 14 anos e meio de profissão. Congelamento também contabilizado, garante-me esta professora que as alterações legislativas lhe roubaram 6 anos e meio de serviço. É duro, sobretudo se somado à perspectiva de ficar ad eternum retida no mesmo índice, ainda que a avaliação do desempenho a classifique com “bom”. Quando discutimos economia, admito que a relatividade dos fenómenos torna irrelevante, num contexto, aquilo que é enorme noutro. Mas não podemos ignorar que para o cidadão anónimo as referências dominantes
são as suas próprias dificuldades. É por nisso que a Isabel do nosso exemplo não aceita que, depois de lhe roubarem 6 anos e meio de serviço, lhe venham agora dizer que o país só se salva se ela marcar passo no mesmo escalão por tempo indeterminado, quem sabe se para o resto da carreira. Porque ao lado vê o vórtice de 1400 milhões do BPN, que ela própria irá pagar. Porque não entende as mãos largas que dispensaram de concurso transparente os milhões gastos em
ajustes directos. Porque sendo contra a oportunidade do TGV, tem cultura suficiente para perceber como a vida dos filhos e dos netos sairá prejudicada pelos
caprichos megalómanos dos mesmos que lhe dizem que o congelamento é o seu fado. Porque teima que é imoral os lucros indecentes dos bancos só pagarem 13 por cento de IRC. Porque não lhe parece razoável pagar uma gasolina e uma electricidade das mais caras da Europa, quando os respectivos monopólios continuam com lucros de escândalo. E como se isso não
bastasse, ela, Isabel congelada e roubada, ainda paga a uma entidade reguladora que autoriza o aumento da tarifa eléctrica em ano de inflação nula. É por isso quea Isabel desta crónica olha agora para a Assembleia da República. É por isso que a Isabel desta crónica acompanha o diagnóstico mas não aprova o prognóstico do Presidente da República.
Professor do ensino superior.s.castilho@netcabo.pt