Aquilo que interessa mesmo

Mas no meio de todo este arrazoado mediático em torno de Mirandela, da Moita, de Fitares e do mais que foi possível arranjar para colorir diversas peças jornalísticas durante a semana, é possível encontrar pistas interessantes para deslindar a origem desta situação que, não sendo anormal, parece estar a atingir um pico de interesse.

Na Visão de 5ª feira, por exemplo, pode ler-se (p. 84) que:

Em Mirandela, mais de metade dos alunos das escolas da cidade provêm das aldeias onde foram encerrando estabelecimentos de ensino. Assim, os miúdos ficam todo o dia entregues a si próprios, longe dos familiares. Além das aulas, almoçam na escola, brincam na escola, espancam-se na escola.

Esta é uma realidade que os arautos da racionalização da rede escolar fazem por ignorar, mas é um dos argumentos mais fortes – na minha opinião de não-especialista e mero observador interessado . para só fechar escolas quando não há mesmo outra solução, porque provoca fenómenos de desenraizamento com consequências insuficientemente estudadas. Ler a parte em que o Leandro, como outros alunos, era obrigado a fazer o trajecto entre a central rodoviária e a escola é uma espécie de regresso ao passado, aos tempos em que para estudar, os pobres dos campos eram obrigados a encaminhar-se para a sede municipal, como pequenos emigrantes diários em busca não de pão mas de instrução.

Mas agora isto chamar-se Progresso, pois resulta da racionalização. Afinal, bem estavam aqueles que do Liberalismo ao Estado Novo, consideravam desnecessário o alargemento da rede escolar ao Portugal mais profundo.

Já no Expresso de hoje, temos outra dimensão do problema da violência nas escolas: a falta de pessoal auxiliar para vigiar os espaços de convívio/conflito nas escolas.

De acordo com os números oficiais, o número de funcionários não docentes diminuiu 15%, só de 2004/05 a 2007/08.

Mas ima vitória da racionalização dos custos.

Dos custos financeiros, especifique-se.

Porque há outros custos que aqui não surgem contabilizados.

Pois a falta evidente de funcionários em muitas escolas é um dos motivos óbvios para a escalada de comportamentos agressivos.

Porque não há qualquer factor de dissuasão.

Não é que a presença de um adulto elimine, só por si, as agressões, as ofensas e a violência, mas certamente reduz os riscos para os mais frágeis, quando a vigilância é levada a sério e é a única função de quem está num determinado espaço.

As escolas estão subdotas de funcionários - agora chamam-se assistentes operacionais na novilíngua da gestão dos recursos humanos, se não estou em erro – e a solução para suprir as lacunas mais gritantes é recorrer a pessoas inscritas nos Centros de Emprego, pagas à hora com salários miseráveis, sem qualquer experiência prévia ou formação específica para actuar nestas situações.

Como afirma uma funcionária na peça em causa:

Não conseguimos estar sempre no recreio porque temos também de estar nos corredores, nos átrios, na biblioteca ou no ginásio. Vamos dando uma olhadela, mas não é possível dar conta de tudo. Somos poucas.

Mas mesmo assim não é raro que, em dias de má sorte, apareça por uma qualquer escola um(a) qualquer representante dos poderes sintermédios do ME artilhado(a) com teorias, números e ratios, com ordem para abater mais alguns efectivos.

E até parece que ganham pontos na sua carreira por cada posto de trabalho que abatem em nome da racionalização. Levasse uma inocente criança descendente dessas luminárias de gabinete (quantas vezes em fuga da docência no terreno) um forte paulada num pátio ou corredor não vigiado e o mais certo era ser um ai-jesus quem nos acode.

Mas enquanto o sal arde nas feridas alheias, impera o critério da racionalização, tomando-se esse conceito como sinóniomo de redução dos custos e não de melhoria do desempenho.

Enquanto não perceberem que racionalizar é aplicar a razão e não a faca, estamos entregues a carniceiros administrativos, movidos na base dos números a que mandam obedecer, mas ignorantes das pessoas que deviam servir.