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M. Eugénia Prata Pinheiro

sexta-feira, dezembro 03, 2010

Um político

Por Pedro Lomba


O abuso de ordens profissionais serve de espelho para um país que se corporativizou em demasia. Nasceram, nos últimos anos, mais ordens do que profissionais independentes (sem ofensa para biólogos ou enfermeiros). Tem tudo a ver, suponho, com a nossa desconfiança em relação à lei do Estado.

A Ordem dos Advogados foi sempre um caso à parte neste clube. Em primeiro lugar, por ser uma associação antiga. Em segundo lugar, porque os advogados, e sobretudo os juristas, comandaram o país desde o último século até hoje. Só mais recentemente esse estatuto, o de membros por inerência da elite dirigente, começou a ser perdido para as tribos da tecnocracia, como os economistas e os engenheiros.

Os efeitos dessa passagem são hoje visíveis. Tirando certos cargos, as faculdades de Direito deixaram de ser o viveiro para se fazerem ministros ou secretários de Estado. E quanto aos advogados, também perderam influência e prestígio. Tornaram-se eles próprios cartéis com interesses localizáveis. Não raras vezes foram eles os principais interessados numa justiça mais encaracolada, que maximizasse as suas vias de intervenção e litigância.

Em muitos casos, porém, é injusto dizer que a culpa foi só deles. A culpa vai também para a perniciosa divisão do trabalho entre Estado e advogados. Ou o Estado contratou com advogados, sobretudo os das grandes sociedades, serviços chorudos que as administrações públicas podiam ter prestado; ou em relação àqueles que não podia ter prestado e que compreensivelmente solicitou, os advogados fizeram leis ou contratos emblemáticos que o Estado depois não soube ou não teve meios para executar como devia. A divisão do trabalho assentava em princípios errados de ambos os lados.

Como em toda a parte, tem havido competência e incompetência, oportunidade e venalidade. Mas aqui entra um homem chamado Marinho Pinto, o reeleito bastonário dos advogados.

Marinho Pinto é um caso curioso. Fausto queixava-se das duas almas que se agitavam dentro dele. Bismarck dizia que no seu caso não eram duas mas uma multidão delas em rebelião, como se vivesse numa República.

Marinho Pinto está mais próximo de Bismarck. Há o Marinho Pinto que enfrenta grupos de interesse com coragem, a começar pelos da ordem que lidera. Há o Marinho Pinto uma vez jornalista, jornalista para sempre que denuncia com manchetes. Há o Marinho Pinto que fustiga sempre que necessário magistrados prepotentes. Mas há também outro Marinho Pinto, o político, que se caracteriza por conhecer muito bem a sua clientela.

Tudo estaria bem não fosse o caso deste Marinho Pinto político prejudicar todos os anteriores.

Veja-se como o político Marinho Pinto conduziu o seu primeiro mandato. Assumiu-se como a Evita Perón dos advogados mais pequenos contra as grandes sociedades. Intuiu os problemas, mas apresentou más soluções. Tentou escalar a luta demagógica contra os advogados-deputados, defendendo a incompatibilidade entre as duas actividades, esquecendo que os maiores exemplos de promiscuidade entre o público e o privado não estão nos advogados que fazem política mas antes na insuficiência de regras claras sobre conflitos de interesse e num sistema pouco coercivo que não retira consequências dessas regras.

Este Marinho Pinto político desdobrou-se em acusações genéricas que ficaram no ar. E frequentemente meteu-se onde não devia, como no dia em que acusou os magistrados de Aveiro no processo Face Oculta de "paixões políticas", protegendo conscientemente José Sócrates.

A última cruzada deste Marinho Pinto político, antes da reeleição, tem sido o exame de acesso ao estágio imposto aos jovens licenciados. Por aqui se percebe como Marinho conhece o seu público-alvo. Onde antes defendia os pequenos contra os tubarões, agora, sinal dos tempos, protege os que já estão dentro contra os de fora. E, como se viu, com os aplausos daqueles que seguem à risca a máxima nacional: Portugal pertence a quem chegou primeiro. Jurista